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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

OVERRATED

Fonte: Revista Naipe
Por: Thiago Momm
01/08/2011

Críticas às cidades em que passamos a maior parte da vida, quando não a vida inteira, nos incomodam bastante. Mil explicações a respeito podem ser suscitadas, mas a principal parece simplesmente: "Ei, não diga que fiz uma péssima escolha e estou jogando meu tempo fora; não me lembre que há lugares melhores para morar, se eu não posso estar lá agora."

É óbvio que quem mora em Florianópolis há muitos anos não está jogando o seu tempo fora. Os elogios dos cadernos de turismo fazem sentido. Um dia você é adolescente e vive o espírito leseira-com-savoir-faire de Santo Antônio de Lisboa, Lagoa da Conceição, Campeche, Ribeirão, Itaguaçu. Uma década depois, jornais e revistas do país e do mundo inteiro tentam prender esse espírito em fotos e palavras. Falam sobre manezinhos como contraculturalistas natos e suas vidas com mar, ostras, tainha, cachaça, desanuviamento, desaceleração.

Muitos passamos quase todos os dias apenas no trânsito e em partes sem-graça do centro da cidade, mas nem por isso as matérias são absurdas. Assim é o jornalismo de turismo, e Florianópolis merece boa parte dos adjetivos que ganha.

A partir das óbvias qualidades ilhoas, no entanto, nos supervalorizamos e falamos sem a devida paciência sobre nossos defeitos e limitações. Ao orgulho da própria terra se somam os elogios alheios – e ficamos bobos. As lindas meninas da ilha interpretam que são as mais bonitas do planeta (não são); os profissionais ligados ao turismo interpretam que não precisam melhorar o que vêm fazendo; os xenófobos ampliam sua arrogância; os políticos ganham um atenuante permanente.

Parece que quem reclama de Florianópolis não estaria se divertindo o suficiente, captando o que há de bom na cidade, entendendo seu ritmo. As pessoas não percebem que criticar o lugar em que se vive tem a ver, muitas vezes, justamente com o fato de se amá-lo, de ser tão apegado a ele. 


Ilhas gregas

Viajei daqui até a Jericoacoara (CE) de carro, parando em grande parte do litoral brasileiro até lá. Foram 7,7 mil km. Também conheci ilhas gregas e espanholas, assim como muitas cidades à beira-mar de outros países. Nem por isso me animo a fazer comparações absolutas. Primeiro porque aquele orgulho do lugar em que criamos raízes compromete o julgamento; depois, há coisas demais a serem levadas em conta num comparativo entre duas cidades.

Em todo caso, comparar certos aspectos não só é possível como é ótimo exercício autocrítico.

Como o restante de Santa Catarina, Florianópolis tem uma alfabetização acima da média nacional (menos de 3% da população, segundo as estatísticas oficiais, não sabe ler). Culturalmente, porém, não entraríamos num possível top 10 com as capitais do país. Não conseguimos nem reabrir o nosso Centro Integrado de Cultura, o CIC.

E o tão alardeado estilo da Lagoa da Conceição? A inventividade dos barzinhos é pífia e entradas são cobradas a troco de nada especial. Na pequena Arraial D’Ajuda (BA), entrei de graça em um bar com uma ótima banda ao vivo – algo comum na Europa, onde geralmente se lucra apenas com o consumo dos clientes. Logo, lá em Arraial, um homem que tocava músicas no saxofone para uma loja próxima veio caminhando. Abriu espaço entre o público do barzinho, subiu no palco, pediu à banda um microfone para ampliar o som do sax e entrou na bagunça.

Programado, espontâneo? Não interessa. Não temos nada parecido na Lagoa.

Em diversas festas, eventos, guias, nossa cidade é vendida como Ibiza ou Saint-Tropez. Tem provincianismo maior? Nada contra incluir um suposto glamour como argumento turístico, mas que tal vender Florianópolis como... Florianópolis?

E assim segue. No todo, Florianópolis compila uma natureza interessante com uma alma louvável. Nem por isso é suprema como dizem. Não tem a natureza do Rio de Janeiro. Não tem o zelo e apelo turístico de lugares como Jericoacoara, Morro de S.Paulo, Mallorca, Fernando de Noronha (em Jeri, por exemplo, há uma loja da Havaianas com as paredes todas de vidro e o chão de areia). Na ilha grega de Mykonos, como em tantas cidades europeias, estilosas mesas convidam a almoços no meio da rua. Por que não fazemos isso em Santo Antônio? Por que só fechamos as ruas para carros no carnaval?

Isso tudo não quer dizer que não tenhamos uma cidade acima da média. Temos. Reconhecer essas coisas é só o ponto de partida de tantas melhorias necessárias à ilha. Não podemos nos amar a ponto de não enxergarmos nossos poréns.



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